Adaptado por Zootecnista
Henrique Costa Filho, MSc
Consultor Técnico Sustennutri
Fonte: Marcelo Pereira de Carvalho - MilkPoint
(www.milkpoint.com.br)
Segundo o Anuário Leite 2023 da Embrapa, os estados de Rondônia, Amazonas, Acre e Roraima somados representam 2,38% da produção brasileira de leite (base de 2021). Rondônia é o 10º maior estado produtor de leite do país, e o 1º de toda a região norte. Boas oportunidades de crescimento nesses estados são facilmente atingíveis, devido às suas condições climáticas. Mas o produtor precisa e deve ser bem remunerado pela atividade, em total sintonia do que o mundo espera quando se explora o bioma amazônico.
O mundo do leite aparentemente vive um dilema.
As projeções de demanda para o longo prazo (20-30 anos) sempre são favoráveis:
teremos quase 10 bilhões de habitantes; a porcentagem de população que vive nas
cidades aumentará, demandando alimentos; a renda média do habitante global subirá,
estimulando o consumo e há um processo de “ocidentalização” de hábitos, em que
lácteos fazem parte da dieta há milênios.
Em 2020, no Dairy Vision, o especialista
Lukasz Wyrzykowski, do IFCN Dairy Research Network, mostrou que a produção de
leite precisará subir 60% de 2019 a 2050. A questão é que os principais
fornecedores de leite estão tendo dificuldades de elevar a produção.
A Nova Zelândia, líder mundial nas
exportações, estagnou em 22 bilhões de kg de leite. Nos últimos 10 anos, a
produção lá cresceu só 0,3% ao ano, contra 3,9% no decênio anterior. A Europa,
também exportadora tradicional, também patina: a EU-28 (considerando os 27
países que compõem a União Europeia mais a Inglaterra) produziu menos em 2020
do que em 2008. Só os Estados Unidos estão um pouco melhores: cresceram 1,2% ao
ano nos últimos 10 anos, embora tivessem crescido 1,7% ao ano no decênio
anterior, portanto, com tendência de menor crescimento.
Olhando para o nosso quintal, a situação não é
diferente. Uruguai: menos de 1% ao ano nos últimos 10 anos, contra
significativos 6% no decênio anterior; Argentina: míseros 0,4% ao ano nos
últimos 10 anos, contra 3,5% no decênio anterior; e, claro, o Brasil, que
apesar de não ser exportador, tem obviamente o nosso interesse: também crescimento
quase zero nos últimos 10 anos (os mesmos 0,4% ao ano da Argentina), contra
4,1% no período anterior.
É surpreendente que países tão distantes e com
estruturas de produção e mercado totalmente diferentes tenham apresentado
resultado semelhante no espaço de 20 anos. Talvez isso ocorra porque o mercado
de lácteos ainda é bastante regulamentado (leia-se protegido) em vários países,
e ainda existem apoios à atividade (como é o caso da Europa – leia-se
subsídios).
Uma visão mais liberal iria pela análise oposta:
os mercados estão mais conectados e os efeitos se refletem de forma semelhante
em locais diversos. Embora parte disso é verdade, como veremos abaixo, não há
como deixar de lado a primeira hipótese, que retarda os ajustes que ocorreriam
em um ambiente de mercado mais livre.
Há vários pontos a se destacar e perguntas a
se fazer diante desses números. O primeiro questionamento óbvio é por qual
razão a produção global deixou de crescer? Aqui, há aspectos que são comuns aos
diversos países e outros que são mais prevalentes em determinadas regiões.
Entre os comuns, está a concorrência com outras atividades agrícolas (exceto a
Nova Zelândia, onde a produção de grãos é pouco relevante), a escassez de
mão-de-obra, o aumento dos custos de produção, tornando a atividade menos
rentável ou pelo menos mais arriscada como negócio, e os eventos climáticos
extremos, que são mais frequentes.
No caso da Europa e Nova Zelândia, destacam-se
as restrições ambientais cada vez mais rigorosas, dificultando e até impedindo
o aumento dos rebanhos e/ou a conversão de novas propriedades em fazendas
leiteiras, o que pode significar oportunidades para outras regiões.
Para o Brasil (mas não só para ele, sendo a
Europa também um exemplo), há um processo de transição de sistema de produção e
escala produtiva, cujo resultado até então tem sido um jogo de soma zero: o
leite dos que saem da atividade mal e mal é compensado pelo leite dos que
investem. Pelo menos por enquanto.
Vai faltar leite?
O IFCN, que hoje é provavelmente a entidade
com a melhor compreensão da situação macro da atividade no mundo, aponta que
esse novo paradigma, em que a oferta não é mais uma realidade dada, fará com
que os laticínios tenham dificuldade de garantir o suprimento de leite. Maior
escassez de leite e produtores de maior porte, mais bem informados e com mais
opções de comercialização, criarão desafios para laticínios desses mercados em
que há historicamente pouca concorrência na captação de leite.
Se vai faltar leite de forma estrutural, os
preços em algum momento mudarão de patamar, independentemente dos custos. E o
leite ficará mais rentável.
O IFCN cita que a elasticidade-preço dos
lácteos não é mais tão relevante quanto no passado. Mas, será mesmo? Acredito
que sim para os países com alta renda per capita, em que o custo dos alimentos
como percentual dos gastos é mais baixo e o hábito de consumo de lácteos, mais
arraigado. Basta ver o decréscimo no consumo que tivemos no Brasil nos últimos
7-8 anos, fruto da combinação de preços elevados e aperto da renda.
Preços mais elevados irão, a nível global,
reduzir o crescimento da demanda, e um novo equilíbrio tende a ser encontrado.
Nesse caso, não cresceremos 60% em demanda e produção até 2050, mas alguma
coisa abaixo (ou bem abaixo) disso. Nessa análise, não estamos considerando o
efeito de bebidas concorrentes (e ingredientes concorrentes, principalmente),
mas tão somente o fato de que lácteos estruturalmente mais caros tendem a
afetar a demanda em países nos quais a renda é uma restrição.
Trazendo a análise mais para o presente, chama
a atenção o fato de que, mesmo com crescimento quase nulo dos principais
exportadores em uma década, os preços internacionais não decolaram, como era de
se esperar diante do aumento da população global, urbanização, ocidentalização
e (algum) aumento na renda per capita nesse período.
De fato, os valores do GDT (leilão que baliza
os preços externos) apontaram média de US$ 3.337/tonelada de leite em pó entre
2010 e 2016, e praticamente o mesmo valor de 2017 até agora: US$ 3.338/tonelada.
Zero de aumento, e teve inflação em dólar. Ou seja, os valores caíram, se
corrigidos pela inflação. E a dependência da China continua deixando o mercado
muito volátil, o que mostra que o mercado internacional pouco mudou nos últimos
anos.
O que explicaria isso? Será que a produção
global está aumentando de forma compatível com a maior demanda em países que
deveriam estar demandando mais leite importado, mantendo o mercado
internacional anêmico mesmo sem o leite dos exportadores tradicionais? Ou será
que as perspectivas globais de aumento da demanda estão superdimensionadas, e
os reflexos já aparecem nos dados desses últimos 10 anos? Boas questões!
0 Comentários